quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

As santas horas

Essa não sai no jornal, mas um boca a boca, diz-que-me-disse já circula pelos ares.
É voltada a noite. Uma lua gorda, cheia de rumores reflete sobre a terra uma luz quente de ferver a cabeça. Uma voz qualquer em meio a tantas vibrações, sonoridades, ruídos ilimitados é gritada:
- E ofereceram sobre ele holocaustos ao Senhor!
O holocausto sem sentido naquele momento exato, vinte e uma hora, transformou-se num verdadeiro caos exaltado pelas costas de um indivíduo apaixonado ao telefone. Aparentemente tudo parecia querer ficar calmo, mas eis que num determinado momento explode uma briga, envolvendo uma mísera senhora e um moleque franzino, ambos contrariados. A agressão verbal parecia não mais ter fim, qualquer movimento sem intenção era mais que um motivo alardeante. Aos vãos palavrões e esculhambações jorravam os quatro quantos da rua. Dedos de fora começaram a se manifestar, palavras de intrusos agrediam a pobre mulher, sem estudo e sem amparo. Olhares oprimidos e ações maldosas machucavam o garoto.
Dez minutos. A miséria tinha platéia cheia, a pobreza era assistida de pé e a fama se exaltava por todo o terminal rodoviário.
Quinze minutos desmoralizado. A casa cheia encontrava-se sem segurança, para que impedissem os fãs do contato físico com os meros protagonistas da briga.
Do vigário nem a prece perecia, somente um conto se fazia a custo de nada, nem um tostão!
No noticiário tudo se acabava, se findava, canais eram zapeados e na tela o mesmo assunto, a mesma manchete que só se renovava quando o assunto era bombardeio e guerra.
A fome e a miséria, pragas cotidianas, se faziam cegas, ignoradas, mas ainda assim se alastravam sem pena nos arrabaldes da cidade inteira. Os descasos de governos, as cargas tributárias altas, a má distribuição, a pobreza, tudo isso se levava “ingênuo” no ar, de Brasília à Dubai.
Enquanto no jornal 'mundo' estudiosos americanos revelavam que a solidão é tão contagiosa quanto à gripe, às vinte e uma hora e dezoito minutos, o mundo solitário não parava e a pobreza, o gozo, o ouro e a fome continuavam adormecidas num Brasil esquecido. E no relógio de Deus, o que hora era mesmo?

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