quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Traçando a vida


Sinal de nascença, marca divina. Sinal de vivência, marca escondida; cicatrizes.
Foi o que eu pensei, quando parada no sinal estava.
Na virada da esquina o motorista risonho comentava algo e os outros, ao meu redor, com ele interagia. Não dei ouvidos, o burburinho naquele instante se fez mudo. Olhava atentamente pela janela a paisagem urbana, o caminhar e o olhar de algumas pessoas desconhecidas.
Era tão bonito.
Despercebidamente, em suas preocupações ou felicidades, as pessoas pareciam tão verdadeiras em sua suma essência, tão inocentes debaixo do sol torrencial da amazônia. O semblante expressivo de cada um era perfeito, como máscaras de gesso que a gente olha e define os sentimentos. Recatadamente, preocupadas ou não, as feições pareciam macias, o caminhar se expandia e os meus olhos viam, cheios de alegria.
Na correria contra o tempo de uma produção e outra, olhei profundamente para o rosto de uma jovem, com um andar despreocupado de estudante. O vento soprou fino e embalou suas madeixas, deixando escapar de leve o que ela tentava esconder, uma cicatriz na maçã esquerda do rosto.
Acompanhei-a até perde-la de vista.
Não olhei mais paisagem  alguma, somente abaixei o olhar, deparei-me com minhas mãos  marcadas e sem frear, esbarrei no passado. Apreciei a cicatriz, em sua beleza estranha, nada mal, nem era tão esquisito assim; talvez eu tenha me adaptado a ela, ou ela a mim. Uma marca à mostra e tão longe; longe das minhas lembranças diárias.
Impressionante falar de cicatrizes e lembranças, palavras distintas, mas com sentidos tão ligados. Olhar para elas é como olhar para uma imagem em preto e branco dentro de um monóculo, e simplesmente voltar no tempo. Coisas já esquecidas num cantinho da memória voltam à tona, a sensação é gostosa, é como  rever um bom filme de Charles Chaplin.
Ao olhar um traço, os momentos congelados, ou até mesmo sentir um cheiro, lembramos de cada história que sorrimos à sós, bobamente, recordando o dia em que aprendemos a andar de bicicleta, as brincadeiras nas ruas de barro e piçarra (que tanto machucaram nossos joelhos com os tombos que levavámos), as traquinagens escondidas no quarto com algum pertence dos pais e muitas outras marcas, alegres e tristes, externas e internas, que aos olhos nú da memória, uma  parte marcada ganha vida, e não tem como não lembrar... como um grande amigo que aqui jaz, ou até mesmo do primeiro amor que nos fez querer morrer.
Cicatrizes, marcas que nos tornaram únicos.  É um bom sinal, com todas as cores, da vida.
Tudo passa e os sinais ficam. Eu passarinho e eles ficarão grudados no meu corpo e na minha memória, feito uma linda constelação.

"Olhes para trás... mas vá em frente, pois há muitos que precisam que chegues para poderem seguir-te" estrela.
 (Chaplin)

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