segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O pensamento de três almas sujas.





































Imundice alheia

Junto coisas que rasguei,
colo retratos que cortei,
cato migalhas que joguei,
ouço sons estridentes que eu tanto amei.

Pelos cantos vejo o vento
balançando as teias
que cortinam o céu de madeira.
Vejo baratas voando
feito borboletas no jardim
e formigas amontoadas
num poeirão sem fim.

Pelos dedos o suor
escorrendo num espelho
velho de rancor.

Na janela,
a festa de todos os dias
faz algazarra na agonia.
Os restos convidados
comemoram estragados
na geladeira sem energia.

Vermes, insetos, larvas, sapatos, gia.

Embriagam a maestria,
exausta de tanta orgia.

Surto apaixonada,
louca, desvairada.
Invado a cama alheia,
escrevo nua a noite inteira
e apago cansada de tanta beleza.




_




Apenas uma fresta

Escorri meus olhos num varal de portas e acabei varrendo coisas que não vi outrora.
Pela fechadura de uma primeira porta, vi gaivotas brincando no ar feito lindas andorinhas no campo. Em outra, vi o chão entrançado com cabelos feito cipós emaranhados no varadouro. Ao triscar em uma porta velha, senti o suor que escorria pelas paredes banhando um quadro carregado de rancor e já cansado de enfeitar.
Sem mais nem menos, me deparei com uma porta aberta, parei e assisti de pé o que eu desconhecia; uma festa batida repleta de gente vadia, com  direito a algazarras na lareira, corpos despidos, bocas enlaçadas que grunhiam na beira do fogo, sentindo queimar a madeira. Os corpos trêmulos de tanta erva, brindavam embriagados com prazer necrótico.  Gritos, suor, sexo. As sobras comemoravam apodrecidas na porta estreita.
Verme - corpo cru - larva - realeza.
Várias portas, poucas vidas, muitas caras.
Desperto. Tiro o olho da vida alheia e me vejo enlouquecida noite e meia.




_





Se foi sem avisar

Andei rasgando o vento,
comendo migalhas na beira do templo
e ouvindo sons agudos de um tempo.

Por alguns instantes juntei fotografias estraçalhadas
e colei lembranças de uma noite bem dormida.
Admirei coreografias de teias no céu.
Encharquei;
molhei formigas com lagrimas já esquecidas.

Voltei no passado pelo vento frio que pela fresta entrava.
Viajei por outros lugares;
me senti familiar.
Porém, não, mais,
fazia parte daquele velho lugar.
Me desconheciam.

-Era meu, eu sentia.

Tudo do jeito que eu havia deixado,
moveis, louças, lustres, imagens...
Só que dessa vez,
a dona não era Eu.




(Um que findou três)

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