terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Glória

    Numa antiga cadeira ele se postava a balançar, rangendo as velhas madeiras envergadas de um tempo pretérito. Sem pegadas de mãos, sem olhar qualquer ele esperava algo de longe e estático ficava apreciando o crepúsculo pela janela.
    Com passagem livre ele chegou ao cais, carregando consigo somente um calafrio temperado por rimas esguias riscadas em um pedaço de papel molhado por lembranças.         Lentamente ele se pôs a sentar no chão velho cheio de brechas, reuniu suas angústias, apertou a caneta e recordou a dor de um pacto feito com Flor. Ao lembrar, chorou quilos de cebola e gritou até ficar sem voz num vagão sem fim. Tentou ser visto poucas vezes, e muitas vezes não teve sequer um olhar distante.
    Naquele momento sem mais nada a importar, exportou de sua origem todo o medo que manteve em cativeiro a cento e vinte dias alimentados somente por desejos e ensejos de uma vida avassaladora. Os fenômenos da paisagem mudaram toda a estrutura do moço senhor com traços de muita vida e pouco amor.  Estirou seu corpo engelhado no porto e deixou escorregar suas adormecidas pernas na beira do mar. Sem sentir o frio da água que lhe tocava, concentrou-se na vibração das ondas, escutou o vento que fluiu até o seu falho coração o despertando com sons de badalos de um relógio da igreja. 
     Levantou-se e clamou aos céus. Gritou. Humildemente agradecia aos prantos.
    Um fervor voraz encheu de vida e cor o coração do senhor deixando-o pronto para um novo começo.
    As idas choradas, suplicadas, inseguras, já não mais fazia parte daquela vida. O que tinha de velho naquele momento eram apenas as lembranças rabiscadas num papel preso em suas mãos.
    A felicidade daquele homem era imensidão de paz, que facilmente era transmitida por tão pouco a quem de longe avistava. O tão pouco era a glória.
    Ele marcou no gráfico de sua vida a fatia honrosa de tantas vigílias, contatadas todos os dias numa reza ao entardecer.
    O moço senhor não teve outra vida, mas conseguiu um novo fim áureo.

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