segunda-feira, 16 de maio de 2011

Um conto sem desconto


Rodolfo menos Helena: O adeus à paixão

Escrevi mil coisas e todas elas, apaguei. Assim como pensei em falar tudo, mas calei. Engoli forte todas as mágoas, que jurei jamais presenciá-las. Ouvi coisas que jamais pensei ouvir, ou melhor, jamais pensei que aquela boca, até então, tão doce fosse proferir palavras dissimuladas, com expressões carismáticas de ar libertino. Já meus ouvidos sangravam. No entanto, ouvidos se fecham o coração não. O corpo também não ouve, mas obedece ao emocional.
Pensei, por uma fração de segundos, que fosse uma brincadeira sem graça, como as de costume. Mas não, foi um ato pensado e cheio de perfeições, cada sonho, cada gesto, cada sorriso, cada toque, cada impulso (que eu hipnotizada pensei ser), cada momento, tudo. Tudo agora começa a se encaixar, as pistas vão criando vida, acho até que, elas sempre estiveram à vista, mas eu ceguei e míope caminhei sorrindo ao lado do criminoso. Sim, ele sempre esteve ao meu lado, segurando em minha mão e me acariciando. Enquanto eu dormia, ele elaborava todos os seus planos, pensava alto, de olhos abertos ou fechados, franzia a testa. Hoje entendo todo o tormento dele, de quando me pagava velando o seu sono. É claro eu era o seu plano perfeito e nem duvidava.
Os dias se passavam e em rotinas normais a gente se divertia, lia, comia, dormia e altas horas da noite ele se ia, para onde ninguém sabe, pensando o que eu nem imagino, ou imaginava; pensei saber.
Vinte dias antes.
Passamos por muitas coisas ruins, mas superamos. Ou mais uma vez eu tenha me iludido com a possibilidade de um relacionamento tranqüilo e duradouro, com um final simples, sem efeitos especiais, porém feliz. Minto. Não me iludi, só esqueci o tormento e segui em frente à procura do novo para nós dois. Nossas vidas continuaram andando lado a lado, nossos afazeres, nossos problemas, nossas ligações, nossos emails, nossos sonhos... E mesmo assim um buraco se abriu; um furo se fez no meio do livro da nossa história. Não sangrou, não danificou muito, mas doeu e ficou. Aprendi a conviver com ele. Contornei, recriei, inventei bobagens, desenhei imagens, mas não teve jeito. Aquele furo era um ponto finalizando a nossa vida. Só isso.
Mas antes tivesse ficado só nisso. O plano dele estava a ponto de ser executado.
Perdemos uma noite. Sem ver nem para que, toquei no assunto: ele. Senti algo estranho, mas ao telefone tudo bem, ele encenou direitinho. Dormi feito uma pedra, porém tranqüila, acordei mais cedo e voltei a dormir, sonhei maravilhas, aproveitei a cama preguiçosa e fiquei mais um pouco. Sem saber estava curtindo meus últimos momentos. Cuidei do que me dava conforto ao fim de cada batalha: a casa; deixei tudo intacto e cheiroso. Achei lindo e dancei. Mas que depressa sai correndo para a casa dele, para o aconchego de seus braços, para o ambiente tão familiar do seu lar. Pensei no caminho.
O plano já estava em execução, confesso que me senti um pouco desagradável, o motivo não sabia, até então. O senti tão longe, distante e ali ao meu lado. Tive que ler alguns artigos, não consegui uma pontinha de concentração sequer. Então, esperei o barco correr. E ele navegou desajeitado de volta para casa.
Sensação apavorante, pernas falhas, coração acelerado, medo.
Portas abertas, janelas escancaradas... silêncio. Cai no banco. Foram meia hora de facadas, furos sem piedade com pedidos de desculpas e declarações de amor. Ainda pedia ensandecidamente que eu falasse com a jugular aberta; tentei, não consegui. Fiquei parada, não derramei uma lágrima, coloquei para dentro o sangue, o choro e a dor. E quando livre de mim ele ficou, levantou, deixou sua arma e seguiu fortemente, sem olhar para trás. Talvez outra vida a esperasse viril.
Quisesse eu em meus últimos suspiros ter força para alcançar aquela arma, caída em minha direção, para interromper a metade de mim que corria em direção contrária. Quisesse eu mudar aquele destino e não morrer cheia de amor. Quisesse eu fazer Rodolfo sentir toda a minha dor.
O portão se fechou e a última lágrima desta história eu, Helena, derramei.
Hoje somos assim, Rodolfo menos Helena, sem padecimento e sem amor.

Um comentário:

David Sento-Sé disse...

Sempre lindo seu escrevinhar poetinha.
Amei o barco que "navegou desajeitado de volta para casa."

lindo , lindo, lindo..

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